Viajar de avião é uma experiência prática e rápida, mas nem sempre tudo ocorre conforme o planejado. Cancelamentos de voos são situações que, além de frustrantes, podem causar transtornos significativos aos passageiros. Por isso, é essencial que os viajantes estejam cientes de seus direitos para lidar com esses imprevistos de maneira adequada.
A legislação brasileira, notadamente a Resolução nº 400/2016 da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e o Código de Defesa do Consumidor (CDC), estabelece uma série de garantias que protegem o passageiro em situações de cancelamento de voo, assegurando que ele receba o suporte necessário e, quando cabível, a devida compensação, afinal, a atividade empreendida pelas companhias aéreas é fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, caracterizando-se, assim, como prestação de serviço, conforme o artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços;
Um dos direitos mais fundamentais dos passageiros em caso de cancelamento de voo é o direito à informação. As companhias aéreas têm a obrigação de notificar os passageiros sobre o cancelamento com uma antecedência mínima de 72 horas. Contudo, caso o cancelamento ocorra em um prazo inferior ou até mesmo no momento do embarque, a empresa deve fornecer informações claras e precisas, tanto nos canais de comunicação da companhia quanto diretamente no aeroporto. A falta de comunicação ou a prestação de informações inadequadas pode gerar responsabilidades adicionais para a companhia aérea, incluindo a obrigação de indenizar os passageiros pelos transtornos causados, conforme o artigo 20 da Resolução n.º 400/2015 da ANAC:
Art. 20. O transportador deverá informar imediatamente ao passageiro pelos meios de comunicação disponíveis:
I – que o voo irá atrasar em relação ao horário originalmente contratado, indicando a nova previsão do horário de partida; e
II – sobre o cancelamento do voo ou interrupção do serviço.
§ 1º O transportador deverá manter o passageiro informado, no máximo, a cada 30 (trinta) minutos quanto à previsão do novo horário de partida do voo nos casos de atraso.
§ 2º A informação sobre o motivo do atraso, do cancelamento, da interrupção do serviço e da preterição deverá ser prestada por escrito pelo transportador, sempre que solicitada pelo passageiro.
Por sua vez, nos casos de cancelamento de um voo, é dever da companhia aérea oferecer assistência material aos passageiros, a qual varia de acordo com o tempo de espera enfrentado. Se a espera exceder uma hora, a empresa deve disponibilizar meios de comunicação, como acesso à internet e telefone. A partir de duas horas, os passageiros têm direito a receber vouchers ou refeições, garantindo o mínimo de conforto enquanto aguardam. Ainda, se o tempo de espera ultrapassar quatro horas, a companhia aérea deve providenciar acomodação em hotel, quando necessário, e o transporte entre o aeroporto e o local de hospedagem, sendo que essas medidas visam minimizar os inconvenientes e proporcionar ao passageiro o cuidado necessário até que a situação seja resolvida.
Em caso de cancelamento de voo, o passageiro tem à sua disposição algumas alternativas para compensação, e ele pode escolher a que melhor se adequar às suas necessidades. A primeira opção é o reembolso integral do valor pago pela passagem, incluindo todas as taxas e encargos. Outra possibilidade é a reacomodação em um outro voo, seja da mesma companhia aérea ou de uma diferente, sem qualquer custo adicional, em data e horário mais convenientes para o passageiro. Em alguns casos, pode-se optar pela execução do serviço por outra modalidade de transporte, como ônibus, especialmente em trechos mais curtos. O importante é que o passageiro tenha a liberdade de escolher a alternativa que melhor atenda às suas expectativas e necessidades.
Além dos direitos à assistência material e à reacomodação ou reembolso, os passageiros podem, em determinadas circunstâncias, buscar indenização por danos morais e materiais decorrentes do cancelamento do voo. Situações como a perda de compromissos importantes, como eventos familiares, reuniões de negócios, ou tratamentos médicos, podem justificar a solicitação de indenização.
A jurisprudência brasileira reconhece que o cancelamento de um voo, especialmente quando não acompanhado da devida assistência ao passageiro, pode causar transtornos emocionais e financeiros que devem ser reparados pela companhia aérea:
CONSUMIDOR. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO. CANCELAMENTO DE VÔO. DANO MORAL. CONFIGURADO. REVISÃO DO VALOR DA CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. QUANTUM RAZOÁVEL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 83/STJ. PRECEDENTES 1. Em virtude de cancelamento de vôo em contrato de transporte aéreo, fica configurado o dano moral merecedor de reparação econômica. 2. Mostra-se razoável a fixação em R$ 6.600,00 (seis mil e seiscentos reais) para reparação do dano moral pelo ato ilícito configurado, consideradas as circunstâncias do caso e as condições econômicas das partes. 3. Este Sodalício Superior altera o valor indenizatório por dano moral apenas nos casos em que o valor arbitrado pelo acórdão recorrido for irrisório ou exorbitante, situação que não se faz presente. 4. A empresa aérea não apresentou argumento novo capaz de modificar a conclusão alvitrada, que se apoiou em entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça. Incidência da Súmula nº 83 do STJ. 5. Agravo regimental não provido. (STJ – AgRg no AREsp: 584804 SP 2014/0240489-2, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 18/11/2014, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/11/2014)
Se os direitos do passageiro não forem respeitados em caso de cancelamento de voo, é possível registrar uma reclamação junto à companhia aérea, à ANAC ou ao PROCON. O primeiro passo é reunir toda a documentação relacionada ao voo, como bilhetes aéreos, comprovantes de despesas e registros de comunicação com a companhia aérea. Em seguida, o passageiro pode registrar sua reclamação diretamente no site da ANAC, no portal Consumidor.gov.br, ou em uma unidade do PROCON. Caso a questão não seja resolvida por vias administrativas, o passageiro pode recorrer ao Poder Judiciário, buscando a reparação dos danos sofridos, o que pode incluir tanto danos materiais quanto morais.
Conhecer os direitos como passageiro aéreo é essencial para garantir um tratamento justo em situações de cancelamento de voo. As normas estabelecidas pela ANAC, em conjunto com o Código de Defesa do Consumidor, oferecem uma proteção robusta, assegurando que o passageiro receba a assistência necessária e, quando cabível, a devida compensação pelos transtornos enfrentados. Portanto, é fundamental que os viajantes estejam sempre atentos às suas prerrogativas e não hesitem em reivindicá-las, buscando, se necessário, suporte jurídico para garantir que seus direitos sejam plenamente respeitados.