Neste artigo, exploraremos o impacto do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) na previdência privada, com um foco especial nos planos PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) e VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre). Esses dois tipos de planos de previdência possuem características específicas que podem influenciar a incidência do ITCMD, gerando dúvidas e controvérsias jurídicas. Vamos analisar como o ITCMD se aplica a esses planos, o que a legislação prevê e como a jurisprudência tem se posicionado sobre o tema.
De forma geral, o VGBL e o PGBL não seguem as regras tradicionais de sucessão. Assim, em caso de falecimento do titular, os valores desses planos podem ser direcionados a beneficiários previamente escolhidos, que não precisam ser necessariamente os herdeiros legais. Com isso, esses planos não estão sujeitos à cobrança do ITCMD, afastando a tributação sobre eles.
Portanto, considerando que PGBL e VGBL não integram o patrimônio do falecido para fins de herança, uma vez que possuem natureza jurídica de estipulação em favor de terceiros, não há que se falar em fato gerador do ITCMD sobre esses planos para os beneficiários.
Recentemente, têm circulado informações equivocadas sobre a incidência do ITCMD nos valores de PGBL e VGBL, gerando confusão. No entanto, a proposta de regulamentação da Reforma Tributária não inclui a cobrança do ITCMD sobre previdência privada para fins sucessórios. É verdade que, em uma versão preliminar do projeto de lei complementar, havia um dispositivo que previa a incidência do ITCMD sobre a previdência privada. Contudo, essa cláusula foi retirada na revisão final da proposta pelo governo federal. Vale lembrar que as alíquotas do ITCMD não são determinadas pelo Governo Federal, mas sim regulamentadas pelos Estados.
Entretanto, a inclusão dos planos de previdência privada (PGBL e VGBL) no inventário e, consequentemente, a incidência do ITCMD sobre esses valores têm sido temas controversos na jurisprudência, devido à natureza jurídica distinta de cada um desses planos.
A exclusão do plano VGBL do inventário se dá por expressa previsão do artigo 794 do Código Civil:
Art. 794. No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.
A exclusão do PGBL, por sua vez, está respaldada pelo art. 79 da Lei n.º 11.196/2005 (Lei do Bem), que estabelece que, em caso de falecimento do participante ou segurado de planos de previdência aberta complementar ou seguro de vida, os beneficiários têm a opção de resgatar as quotas sem a necessidade de abertura de inventário:
Art. 79. No caso de morte do participante ou segurado dos planos e seguros de que trata o art. 76 desta Lei, os seus beneficiários poderão optar pelo resgate das quotas ou pelo recebimento de benefício de caráter continuado previsto em contrato, independentemente da abertura de inventário ou procedimento semelhante.
Isto posto, embora existam precedentes desfavoráveis em outras Turmas do STJ, os Tribunais Pátrios vêm se manifestando de forma favorável ao afastamento do ITCMD nesses casos, conforme decisão da 4ª Turma do STJ com relação ao VGBL:
“tem natureza jurídica de contrato de seguro de vida” ( AgInt nos EDcl no AREsp 947.006/SP , Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (Desembargador Federal convocado do TRF/5ª Região), QUARTA TURMA, DJe de 21/05/2018).
Ademais, vejamos a decisão da 2ª Turma do STJ que decidiu, por unanimidade, que os valores recebidos dos planos de VGBL não integram a herança, não se submetendo, portanto, à incidência do ITCMD:
[…] O Juízo singular concedeu a segurança, “para, reconhecendo a ilegalidade da cobrança do ITCD sobre valores aplicados em VGBL, determinar que o impetrado se abstenha de incluir estes valores na base de cálculo” do tributo. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve a sentença. […] iii) o VGBL consiste em seguro de vida. É da conjugação dessas três premissas que a Corte extraiu a conclusão de que o VGBL não pode ser tributado pelo ITCMD. […] Na oportunidade, o Relator afirmou que “a irresignação do recorrente acerca da incidência de ITCMD sobre o plano VGBL, vai de encontro às convicções do julgador a quo, que, com lastro no conjunto probatório constante dos autos, ou seja, as cláusulas do contrato, decidiu que o plano específico se enquadra na categoria de seguro pessoal, sendo aplicável o art. 794 do CC”. O entendimento, porém, respeitosamente, merece ser revisto. A questão posta no Recurso Especial é de direito, ou seja, a de saber se podem ser tributados pelo ITCMD os valores recebidos pelo beneficiário, em decorrência da morte do titular de plano VGBL, produto financeiro profundamente regulamentado e padronizado […] VIII. Consoante esclarece a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, autarquia federal vinculada ao Ministério da Economia, responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguro, previdência privada aberta, capitalização e resseguro, “o VGBL Individual – Vida Gerador de Benefício Livre é um seguro de vida individual que tem por objetivo pagar uma indenização, ao segurado, sob a forma de renda ou pagamento único, em função de sua sobrevivência ao período de diferimento contratado”. IX. Não é outro o entendimento da Quarta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, para a qual o VGBL “tem natureza jurídica de contrato de seguro de vida” […] XI. Assim, não apenas a jurisprudência reconhece a natureza de seguro do plano VGBL, mas também a própria agência reguladora do setor econômico classifica-o como espécie de seguro de vida. Resta evidente, pois, que os valores a serem recebidos pelo beneficiário, em decorrência da morte do segurado contratante de plano VGBL, não se consideram herança, para todos os efeitos de direito, como prevê o art. 794 do CC/2002 […] (STJ – REsp: 1961488 RS 2021/0000436-8, Relator: Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Data de Julgamento: 16/11/2021, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/11/2021)
Cumpre esclarecer que parte da doutrina sustenta que o ITCMD é devido sobre o PGBL, considerando que ele possui natureza jurídica de aplicação financeira ao longo do tempo. No entanto, outra corrente argumenta que o PGBL configura um contrato de execução continuada, no qual os beneficiários têm apenas um direito de crédito em relação à operadora do plano, afastando a caracterização de herança e, portanto, a incidência do ITCMD.
A Secretaria de Fazenda de São Paulo já se pronunciou sobre a não incidência do ITCMD nos planos de previdência complementar por meio das Respostas à Consulta Tributária n.º79/2012 e n.º 1625/2013:
ITCMD – REGIME DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR TEM A MESMA NATUREZA DOS SEGUROS DE VIDA (LEI COMPLEMENTAR Nº 109/2001, ARTIGOS 1º, 2º E 73) – PLANO VIDA GERADOR DE BENEFÍCIO LIVRE (VGBL).
I. Ou por não se caracterizarem como hipótese de incidência ou por estarem albergados pela isenção, os valores recebidos em decorrência de plano de previdência privada, não recebidos em vida pelo respectivo titular, não devem ser tributados pelo imposto estadual (artigo 794 do Código Civil e Lei nº 10.705/2000, artigo 6º, inciso I, alínea “e”).
Em relação aos precedentes, o Tribunal de Justiça de São Paulo tem adotado uma abordagem casuística para decidir se o PGBL e o VGBL integram ou não o patrimônio hereditário. Ou seja, o tribunal analisa se a contratação dos planos foi feita com o objetivo de garantir a subsistência do titular ou de sua família, ou se eles foram contratados com a finalidade de simples complementação de renda do falecido.
No primeiro caso, se entender que havia o objetivo de auxiliar na subsistência, o plano terá caráter previdenciário ou securitário, afastando a incidência do ITCMD.
Se o objetivo era apenas o de complementar a renda, haveria o que se falar em tributação do ITCMD, conforme precedentes:
Em razão destes fatos a jurisprudência busca identificar se no caso concreto existe efetiva natureza securitária ou se apenas estar-se-ia diante de aplicação financeira comum , bem integrante do patrimônio” (Agravo de Instrumento nº 2034728-43.2017.8.26.0000; 1a Câmara de Direito Privado do TJSP, v.un.; Rel. Enéas Costa Garcia, em 18/09/2017).
INVENTÁRIO – Insurgência contra decisão na qual se indeferiu o pedido de bloqueio dos valores relativos a aplicações em VGBL – Magistrado a quo que prontamente excluiu referidos valores da partilha, sem examinar a natureza das aplicações – Recurso acolhido em parte para viabilizar a apresentação de provas documentais, bem como a manifestação dos demais herdeiros a respeito, com o objetivo de apurar a natureza da contratação, ressalvada a possibilidade de se remeter a questão às vias ordinárias, caso o magistrado entenda ser matéria de alta indagação – Manutenção do bloqueio dos valores até que sobrevenha nova deliberação dos autos do inventário – Recurso provido em parte. (TJ-SP – AI: 22976803520218260000 SP 2297680-35.2021.8.26.0000, Relator: Luiz Antonio de Godoy, Data de Julgamento: 19/12/2022, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/12/2022). (Grifo nosso).
AÇÃO DE INTERDIÇÃO. Extinção, sem resolução do mérito. Interditanda falecida. Manutenção de bloqueio das contas bancárias da falecida até deliberação no inventário que é de rigor, inclusive quanto à aplicação VGBL. Inteligência do art. 792 do Código Civil e 79 da Lei 11.196/05. Impossibilidade, porém, de se utilizar da sua natureza previdenciária ou securitária para, havendo real investimento, burlar as disposições sucessórias. Necessária a verificação das circunstâncias do caso concreto, no processo de inventário, inclusive no tocante a eventual herdeiro e pagamento de imposto pela transmissão. Manutenção do bloqueio, assim, que se afigura a medida mais adequada para preservar eventuais interesses sucessórios, de terceiros, ou mesmo tributários, até deliberação no inventário . Decisão mantida. Recurso desprovido. (Agravo de Instrumento nº 2180342-06.2022.8.26.0000; 1a Câmara de Direito Privado do TJSP, v.un.; Rel. Claudio Godoy, em 20/09/2022).
A jurisprudência do TJ/SP revela que o afastamento do ITCMD só é justificado quando fica comprovado que os planos de previdência têm como finalidade uma efetiva complementação de renda. Nos demais casos, onde não há essa comprovação, a inclusão dos planos na herança e a consequente incidência do imposto são consideradas possíveis.
Por fim, é importante destacar que os ministros do STF reconheceram a existência de questão constitucional e repercussão geral no RE 1363013, que aborda a incidência ou não do ITCMD sobre os planos PGBL e VGBL em caso de falecimento do titular. O entendimento a ser estabelecido por essa decisão terá caráter vinculante e será fundamental para resolver de forma definitiva essa controvérsia jurídica.
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